sábado, 3 de julho de 2010

Vocação nacional

Vi o jogo contra a Holanda num lugar cheio de gente. Muitos jovens espalhados pelas mesas, alegres, profundamente alegres, antes do jogo. Havia no recinto pelo menos dois desses instrumentos cujo nome me soa vagamente pornográfico, as tais vuvuzelas. Os instrumentistas, que tinham por objetivo arrebentar meus tímpanos de qualquer maneira, se ocultavam estrategicamente pelo ambiente e eu não conseguia identificá-los. Não que isso pudesse fazer alguma diferença. Provavelmente me limitaria a lhes lançar um olhar de desprezo que eles, com toda certeza, ignorariam e voltariam a fazer soar suas vuvuzelas. O fato é que tudo ia bem, o Brasil marcou e o caminho para a semi final estava aberto. O que me chamava a atenção, porém, era o incrível ardor patriótico dos jovens da torcida. Vibravam como não me lembro de ter visto algo semelhante em nenhuma Copa anterior. Se desesperavam, gritavam alucinados, possessos.

Quando o Brasil marcou foi uma loucura. E a alegria continuou até o fim do primeiro tempo. No segundo, como todos sabem, foi só sofrimento. A garotada em meu redor estava indo quase às lágrimas, roía as unhas, perto de arrancar os cabelos. Finalmente, o pior. O juiz apita e o Brasil estava fora da Copa. Pensei em sair rapidamente do ambiente para não presenciar cenas que poderiam me incomodar, de choro convulsivo para cima. Dei graças a Deus por nada estar acontecendo.

Pensei que era apenas o primeiro momento do choque e que logo depois viriam as lamentações e, quem sabe, as tragédias pelo desgosto e pela desilusão. Fui caminhando pela rua, cheguei à Paulista e nas aglomerações que vi ainda não havia nada de tão alarmante. Desci para o centro e decidi almoçar.

No restaurante, calmo e tranquilo, nenhum vestígio do jogo. Os garçons pareciam em outro país. De repente, entram duas pessoas vestidas com as cores da seleção. Estranhamente não pareciam muito devastadas. Fiquei observando-as durante o almoço e vi que comiam com grande apetite, conversando animadamente. Não fossem os uniformes e em nada lembrariam os fanáticos torcedores das vuvuzelas.

Saí à rua depois do almoço e comecei a caminhar. Nos bares, as pessoas se aglomeravam tomando suas cervejas e dando risadas. Uma hora depois de o Brasil perder da Holanda tudo parecia esquecido e, no centro de São Paulo, havia a paz de um dia de sol, de inverno ameno, com as pessoas gozando o clima. Onde tinha ido parar aquele fervor patriótico?

Comecei a pensar sobre o brasileiro à luz do que via diante de mim. Pessoas ainda vestidas com as cores nacionais bebericando e papeando descontraidamente. E então algo me passou pela cabeça. Eu tinha tomado por patriotismo uma outra coisa. Não era patriotismo, era apenas a alegria de um dia de feriado, em que ninguém ia trabalhar. Claro, havia a seleção, bem entendido. Mas não era importante. O importante era não ir ao trabalho e poder zanzar alegremente pelas ruas e gozar da tarde de céu azul. Pensei, e fiquei orgulhoso disso, que nossa vocação nacional não é para ser uma potência. Não é para entrar no clube dos poderosos da Terra, mas para ser feliz.

E, afinal, o que é a felicidade senão vagabundear tranquilamente, sem pensar em coisas que só complicam a existência e fazem mal ao fígado? Dunga já era passado distante uma hora depois da derrota.

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