sábado, 3 de julho de 2010

África selvagem transforma safáris em meio de preservação

No Brasil, as reservas ecológicas são territórios teoricamente intocáveis, nos quais atividades econômicas são proibidas. Como há gente morando dentro delas e no seu entorno, e é impossível fiscalizar seus imensos territórios, todo tipo de atividade ocorre de forma ilegal e predatória. Na África do Sul, no lugar de reservas há 19 parques nacionais, dos quais o Estado retira arrecadação e as comunidades, empregos. Cometem-se crimes ambientais, mas numa dimensão muito menor.

Nos parques nacionais, o governo entrega concessões para empresas privadas operarem hotéis, safáris, restaurantes e lojas, que vendem não só produtos industrializados, mas também peças de artesanato feitas pelas comunidades locais. De acordo com Reynold Thakluli, gerente de relações institucionais do South African National Parks, órgão do Ministério do Meio Ambiente, menos de 20% dos gastos com manutenção são bancados pelo governo e 80% provêm das atividades privadas.

Mas a iniciativa privada não atua só nos parques públicos. Centenas de reservas privadas surgiram a partir dos anos 40 na África do Sul, em geral em áreas contíguas ou próximas aos parques nacionais, aproveitando seus ecossistemas e o fluxo de turistas que eles atraem. Fazendas de gado e de ovelhas deram lugar a ranchos de safári. Muitas se consolidaram em cooperativas, formando as chamadas "conservancies".

Parte dos fazendeiros mudou de negócio, da agropecuária para o ecoturismo. Parte arrendou suas terras para empresários do setor. Hoje, muitos deles já estão na segunda ou terceira geração de filhos e netos de fazendeiros convertidos para o setor do turismo. E o movimento continua, com muitas fazendas sendo vendidas ou arrendadas para safári.

Segundo Grant Hine, presidente da Associação de Guias de Campo da África do Sul, o setor emprega 50 mil guias. Desses, entre 85% e 90% trabalham para empresas privadas. Os salários variam US$ 133 a US$ 1.066.

Os safáris eram tradicionalmente negócio de brancos. O governo tem estimulado a contratação de moradores das áreas em torno das reservas, pagando pelo seu treinamento nas cerca de cem empresas credenciadas. Como resultado, entre 35% e 40% dos guias formados atualmente pela associação são negros, diz Hine.

Os parques nacionais empregam diretamente 4,5 mil pessoas, além dos estagiários e dos empregos indiretos. Só no Kruger Park, o maior dos parques nacionais (19 mil km²), em Mbombela, são 1.885 funcionários permanentes, 202 temporários e 64 estagiários. Esses são os funcionários do governo. Além deles, há os empregados das oito empresas que mantêm hotéis dentro do parque e das três que operam restaurantes, lojas e áreas de piquenique.

O número de visitantes do parque subiu 7,8% no último ano. Os hotéis estavam praticamente todos lotados nas férias de inverno. Quem passa a noite no parque paga uma "taxa de conservação" de US$ 21,33 ao governo. Os visitantes que vão passar o dia, muitos deles moradores das comunidades locais, não pagam a entrada. Um pouco menor que o Estado de Israel, e com o mesmo formato alongado, o Kruger parece um país. Cada hotel corresponde a uma cidade no seu mapa, que indica os animais mais frequentes nas suas imediações.

O último censo, feito em 2005, mostra um aumento na população de muitas espécies de animais. Os elefantes, por exemplo: de 7.454, em 1980, passaram para 12.470; as girafas, de 4.122 para 6.700; e os rinocerontes brancos, que chegaram perto da extinção no fim do século 19, saltaram de 598 para 6.940. Nos safáris, é fácil encontrar famílias de leões nas estradinhas que cruzam o parque. Elefantes, girafas, zebras, rinocerontes, hipopótamos, búfalos e várias espécies de antílopes são vistos facilmente durante o dia.

Isso também ocorre nas reservas privadas. Até 2002, havia seis fazendas de gado onde hoje existe a reserva Thanda ("amor", em zulu). O empresário sueco da área de telefonia, Dan Olofsson, foi comprando as terras, que hoje somam 14 mil hectares, num investimento de US$ 53,3 milhões. Hoje, ela tem 14 leões, 15 rinocerontes pretos e 21 brancos, pelo menos 14 leopardos, 16 hienas, 18 elefantes e 130 búfalos. A reserva emprega direta e indiretamente 130 pessoas, mantém projetos sociais que envolvem 200 mil pessoas da comunidade e recebe 3 mil visitantes por ano, que pagam US$ 667 por noite. Parte da renda vai para a fundação do rei zulu Goodwill Zwelithini, onde fica a reserva.

"É um negócio lucrativo, considerando que os donos se hospedam com amigos a cada dois ou três meses", diz o gerente da reserva, Pierre Dalvaux. "Não há caça, e quando temos animais em excesso, fornecemos para outras reservas."

Proibida em todos os parques nacionais, a caça é permitida, de forma controlada, em reservas privadas. Apesar de seu aspecto brutal, a caça também tem impulsionado a criação de reservas e a expansão do número de animais. Os preços variam, mas, em média, para caçar um leão paga-se US$ 67 mil; um leopardo, US$ 10 mil; um rinoceronte branco, US$ 87 mil. Assim, as reservas podem gerar lucros matando poucos animais e criando espaço para muitos.

Richard Sowry, policial ambiental no Kruger Park, defende a "caça sustentável" como forma de preservar o meio ambiente. Sowry conta que trabalhava na reserva privada Klaserie. Em todo o ano de 2001, foram caçados na reserva dois leões, dois elefantes e cinco búfalos. Isso deu para sustentar a reserva, que tinha cerca de 100 leões e 400 elefantes, e ainda gerar lucros, garante o policial - um dos cerca de 300 que patrulham o Kruger.

Sowry diz que uma reserva de safári apenas para fotografar pode degradar o meio ambiente se gerar lixo sem destinação adequada, se não tiver tratamento de esgoto ou causar excessiva aglomeração de veículos. "O importante é que as reservas sejam administradas de forma sustentável, independentemente de serem para caça ou não."

Harriet Davies-Mostert, diretor científico do Endangered Wildlife Trust (Fundo da Vida Selvagem em Risco), enumera "aspectos positivos da indústria da vida selvagem": aumento na distribuição e abundância dos grandes herbívoros; recuperação de várias espécies em risco, como bontebok (antílope), zebra da montanha do cabo e rinoceronte branco; redução dos rebanhos e da degradação do solo que eles causam.

Muitos acordos entre reservas, tanto estatais quanto privadas, têm derrubado as cercas que as separam, aumentando a quantidade e a qualidade de vida dos animais - além de sua atratividade e lucratividade. Assim como as cercas, caem os tabus que impedem o desenvolvimento sustentável.


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